Cenas de um quotidiano
Todos os dias, quando vou trabalhar, passo por um velhote que enquanto passeia enfia a mão dentro de todos os caixotes do lixo que encontra pelo caminho.
Todos os dias uma senhora Finlandêsa visita-me no meu local de trabalho, enquanto passeia os seus cães, Ierri e Tessa. Todos os dias a mesma senhora profere a frase "O Ierri é un cán tán maluca, sempre a brincar no lód. Agora vai tomar banha no fonte!".
Todos os dias surge vindo algures da linha do comboio, um senhor que apelido de "Kusturica", usando sempre com a mesma camisa aberta faça frio ou calor. Esse senhor dirige-se para o café e fica a manhã toda a ler o jornal. À tarde enche a mão de milho e fica ali a servir de alimentadouro aos pombos.
Todos os dias aparece um agarrado com um pastor alemão. Vai-se sentar no cais e fica a escrever no seu caderno do "Ulisses 31". Depois vem-me mostrar o que escreveu, e todos os dias despede-se com a frase "É melhor escrever do que andar metido na droga".
Todos os dias passa por mim outro agarrado, ora sozinho ora liderando um gang de putos fubus. Todos os dias me grava um cigarro. Às vezes tenta vender-me um telemóvel roubado. Outras vezes fica ali a contar-me as cargas de porrada que avia nos betos, com correntes, facas e garrafas. Eu acredito. Ontem o meu local de trabalho estava cheio de sangue por todo o lado. É conveniente ser amigo destas pessoas.
Todos os dias quando vou almoçar, passo por um grupo de vagabundos que dormem debaixo dum palmeira. Normalmente estão a jogar às cartas à volta de uma mesa de plástico, enquanto são observados por um Gabriel Garcia Marquez de cartão. Todos os dias lhes digo bom dia. Todos os dias me respondem haja saúde.
Todos os dias aparece-me o mesmo senhor africano com um papel que promete curar-me de todos os males. Só o título é que muda. Já tenho o da mãe Juliana, do Professor Macrafé, do Professor Munhanho e do Curandeiro Cununga.
Todas as semanas aparece-me outro maluco, que apelido de "Fábrica do Chocapic", com a sua voz de apito a contar-me os locais onde já passou o natal. (Já passei o natal do Porrte, já passei o natal em Guimarrães, já passei o natal da Nazarré...)
...
E depois pedem-me para ser "normal"... Mas há alguém que consiga manter a sanidade mental a lidar com isto diariamente? Preciso urgentemente de férias...
3 Comments:
O caminho dos mártires é tortuoso... Pode ser que chegues a mártir!
No mundo em que vivemos não é fácil sabe o que é normal.
Ora se os padrões de normalidade são definidos por anormais...
Em que é que ficamos hein???
Ainda tenho de comer muita papa até chegar ao estatuto de VERDADEIRO MÁRTIR, mestre Cabaçinhas...
Enviar um comentário
<>